segunda-feira, 3 de março de 2014

Refletindo com mendigos

*É um texto baseado em fatos reais.
Aconteceu no dia 26/02/14

Quarta-feira é um dia tão sem graça. Está ali, no meio da semana, não fere e nem cheira, nem alegra nem desanima... Apenas existe, assim como eu. Acho que é meu dia, ou pelo menos, o dia que me representa.

Wednesday. Agora a Família Addans faz sentido.

Eu estava saindo do trabalho. Dentro da mochila estavam os documentos, o dinheiro, o livro, um chocolate velho, alguns pares de moedas (destinadas aos músicos de rua), o guardachuva, o caderno da faculdade e o fone de ouvido.
Eu procurava o último ítem apenas com o tato, porque não se deve desviar os olhos da rua em São Paulo. Muito menos quando já passou das oito da noite.

Maldito fone azul. Onde você se meteu?

Ah, esqueci de mencionar: estava abafado. Havia chovido um pouco no final da tarde, as ruas ainda estavam molhadas, mas o maldito calor voltara. O ar estava denso de tantas partículas de água flutuando.
Minhas meias começavam a ficar úmidas. Não sou uma pessoa que ligue para bobeiras como desviar de poças na calçada. Eu havia pisado em pelo menos três naqueles últimos 200 metros.
Outras pessoas saiam de seus trabalhos. Homens de terno e gravata, mulheres de salto e saia. Eu, estagiária, de All Star, jeans e camiseta.
Como bom aprendiz de jornalista, os olhos e ouvidos estão sempre atentos (ou tentam estar, claro). Foi então que ouvi a frase:

"...Ela me deixou e está com outro cara"

O tom era triste, mas o que me fez olhar para trás foi a próximidade da voz. Em um quase susto, meus olhos encontraram dois moradores de rua sentados em um canto da calçada. O que falava tinha uma mão enterrada nos cabelos e a outra pendendo sobre o joelho. Estava sentado, encolhido e desconsolado.
Seu ouvinte poderia ser seu irmão ou qualquer outra coisa. Olhava para o amigo com uma cara que com certeza você já fez ao consolar algum amigo. Aqueles olhos que dizem: "ela não te merecia... Você vai ficar bem, cara".
Ambos usavam roupas escuras e sujas. Sapatos velhos, barbas e cabelos cheios de nós.

Um flash de visão.

Achei meu fone de ouvido azul. Coloquei-o por dentro da camiseta, ajeitei a mochila nas costas e continuei andando em direção ao metrô São Bento. Desci a primeira escada rolante ainda escolhendo minha trilha sonora.

Na segunda, percebi que aquele homem era igual a qualquer homem. E aquela mulher... Bem... Talvez ela não o merecesse mesmo. Talvez ele merecesse coisa melhor. Talvez ela simplesmente não prestasse.

O som que indica que as portas vão fechar. Corri, não consegui chegar a tempo. Fiquei com cara de idiota ao perceber que já era tarde.

2 comentários:

  1. E alguns acham que mendigo n tem alma... acho q são os únicos q tem... Ou talvez tenham...

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  2. Os únicos que têm também não, né? Sem exageros.

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