sábado, 3 de outubro de 2015

[conto] Box número 6

– Você fez o quê?!
– Eu apaguei o arquivo – mas logo emendou a justificativa– Pensei que a Beatriz tivesse transferido a pasta toda pro servidor! Vocês me disseram que uma vez por semana tem que fazer isso e aí eu achei que...
– Você achou? Tinha que ter perguntado antes, Samantha! Você não pode achar as coisas e simplesmente sair fazendo! A gente tem que entregar tudo isso no final do mês e temos menos de uma semana até lá! Como que a gente faz? Hora extra? Eu não sei. Você me diz.
– Talvez tenha um jeito de recuperar o arquivo, eu... Posso falar com um amigo meu que faz TI e pode me ajudar...
A chefe deu as costas e a deixou falando sozinha. Samantha sentia as bochechas vermelhas e quentes. Sim, ela tinha feito uma merda gigante. Estava ali há duas semanas e sentia-se extremamente burra. O serviço que todos faziam em 10 minutos parecia um monstro de sete cabeças que levava um dia inteiro para ser concluído. Ela sentia a garganta compactada e tentou respirar fundo.
– É isso que dá contratar gente inferior. –resmungou a vizinha de mesa.
Aquilo fez o aperto na garganta aumentar. Samantha sentia que as lágrimas estavam vindo rapidamente. Levantou-se como se nada tivesse acontecido e foi para o banheiro com passos rápidos. Entrou já passando as mãos pelo rosto e sentindo a boca salgada.
Tudo estava dando errado naquela merda. Desde o mouse que parava de funcionar de uma hora pra outra até a maionese que escorreu de seu lanche no almoço e manchou sua calça jeans. Precisava do emprego, mas estava sendo difícil se acostumar com tudo aquilo. A função era complexa. Samantha precisava decorar uma centena de botões, códigos e métricas.
Ela foi até o sexto box do banheiro, entrou e se trancou. O banheiro tinha sido limpo recentemente e estava com um cheirinho de desinfetante. Ela fechou a tampa da privada, sentou-se sobre ela e começou a chorar baixinho. Aquelas pessoas malditas. De quê adiantava ganhar um bom salário, trabalhar em um lugar chique e ter aqueles filhos da puta ao redor? Tomara que percam todo o dinheiro e passem fome. Riquinhos de bosta. Tomara que todos queimem no inferno... Ela tentava respirar fundo e se acalmar, mas o ar entrava e saia em trancos. Tomara que sejam atropelados por um trem, não morram e passem a vida sem braços e pernas. Ela foi tentando se acalmar, respirando fundo, pensando racionalmente...
Sacou o celular do bolso e foi checar as notificações do facebook e as conversas do WhatsApp. O grupo da família enviava mensagens de bom dia, o grupo dos amigos da escola estava debatendo se um antigo casal duraria pra sempre ou não e sua amiga de longa data tinha perguntado se haveria rolê no final de semana. Samantha respondeu que sim, elas poderiam ir no rodízio de pizza... Mas a mensagem não ia. Ela fez um bico e xingou mentalmente.
– Samantha? –alguém chamou.
Ela ficou parada. A voz ecoou no banheiro vazio, mas ela não respondeu. Ainda não queria voltar para aquele povinho. A pessoa apagou as luzes do banheiro e fechou a porta, fazendo o som sepulcral voltar. Na escuridão, Samantha decidiu que era hora de sair de seu esconderijo. Destrancou a porta do banheiro usando a iluminação do celular, mas a porta não cedeu.
É claro que a porta emperraria com a novata. É claro que ela iria precisar berrar pedindo ajuda. Ela já conseguia ouvia a voz das pessoas dizendo que ela era tão burra que não conseguia nem ir ao banheiro. Não. Não vou me render. Ela pensou em sair pelo vão entre o chão e a porta, mas não conseguiria passar por ali. Certeza.
Certificou-se de que tinha girado a trava da porta para o lado certo, mas então confundiu-se. Será que tinha mesmo trancado a porta quando entrou e agora sim tinha ido para o lado da tranca? Girava para um lado e para o outro e acabou perdendo a lógica da abertura. Girou a tranca o máximo para a esquerda e bateu com o ombro na porta. Ela não se moveu. Girou tudo para a direita e deu outra ombrada. Nada.
Então a luz piscou. Samantha ficou parada. O interruptor estava desligado, então qual seria o sentido d... A luz deu mais uma piscada, dessa vez um milésimo de segundo mais longa. Ela sentiu a temperatura baixando e procurou uma janela aberta, mas não viu nenhuma. Ela ouviu o som de uma torneira se abrindo. Em seguida outra e depois mais uma... Então tinha alguém lá. Alguém quieto, silencioso... E meio estranho.
Samantha subiu no vaso sanitário apoiando-se nas paredes do box. Enquanto se equilibrava para não cair, percebeu um cheiro ruim. Parecia que uma vaca podre tinha acabado de ser jogada no meio do banheiro. Segundos depois o fedor era tão forte que quase a fez vomitar. Enquanto se levantava, lentamente seu campo de visão foi aumentando. A luz agora piscava em intervalos regulares, de dois em dois segundos. Eram como o flash de uma câmera, só que todas as lâmpadas ao mesmo tempo.
Samantha viu as torneiras abertas, mas não havia ninguém lá. A água corria em todas as pias do banheiro. O espelho ajudava a ver todo o espaço... E não havia ninguém. Mas era impossível. Né?
– Tem alguém ai? –ela disse baixinho, mais para si mesma do que para o outro.
As torneiras pararam todas de uma vez. Tomada pelo susto, ela se empurrou para trás e pisou em falso. As luzes se apagaram e não voltaram a se acender enquanto Samantha ia ao chão. No box estreito, ela se bateu na porta e viu-se caindo de cara do lado de fora. No escuro. No silêncio.  No frio.
Ela se arrastou rapidamente para dentro do box e puxou a porta. Tinha alguma coisa lá fora. Ela sentia o vaso sanitário às suas costas e começou a tatear em busca do celular para iluminar alguma coisa. Precisava pedir ajuda... Suas mãos tremiam desesperadamente e ela tateava... Até que seus dedos tocaram algo viscoso e gelado. Com um gritinho de asco, ela puxou a mão e empurrou-se contra o outro lado do box.
Silêncio. Tudo ficou extremamente quieto e escuro. Ele estava lá fora. Aquilo estava lá fora. O que era aquilo? Por que estava no banheiro? Mas que porra...? Um baque na porta do banheiro fez Samantha pular. Por instinto ela empurrou a porta com os pés.
– SAI! SAI DAQUI! –ela berrou empurrando a porta com todas as suas forças.
Todas as outras portas do banheiro estavam se batendo. Pá, pá, pá! A sinfonia era angustiante, mas talvez atraísse alguém para ajudá-la. E se ninguém viesse? E se ela nunca saísse dali?
A coisa continuava a empurrar, mas sem produzir um único som.  Tão de repente quanto começou, a coisa parou de empurrar. Samantha continuou com os dois pés na porta e arfando em completo desespero. A luz voltou a piscar de dois em dois segundos. As torneiras voltaram a jorrar água.
Samantha continuou sentada no chão, mãos trêmulas e agora percebia que estava sentindo uma dor terrível na testa. Não estava sangrando, mas provavelmente ficaria com um hematoma imenso. Ela se abaixou lentamente e olhou pelo vão da porta. Não havia pés de ninguém. Samantha se levantou e sentou-se sobre a tampa do vaso sanitário outra vez. Respirava fazendo o mínimo de barulho possível. Os pelos do corpo estavam arrepiados por conta do frio e a luz continuava a piscar.
Por favor... Ela não sabia o que exatamente queria com aquele “por favor”. Aquele gesto de súplica chamava por ajuda e pedia por misericórdia. Ela choramingava em silêncio absoluto. Abraçando os joelhos, ela rezava em sua mente. Preciso de ajuda... Por favor.  
Então Samantha ouviu a porta do banheiro se abrir e a luz se acendeu de vez.
– Samantha? –alguém chamou.
– Aqui. –ela disse num ato de desespero– Por favor, aqui!

Passos vieram rapidamente para o box onde Samantha estava. A porta se abriu e ela viu a chefe que até minutos atrás ela queria que um trem decepasse braços e pernas. Aquele rosto sulcado, cabelos louros presos em coque e óculos quadrado eram o conjunto mais tranquilizador que Samantha já vira na vida. Obrigada, ela pensava sem parar, obrigada, obrigada. 


2 comentários:

  1. Parabéns, você se supera a cada novo conto. Mas continuo sem entender a foto do menino.

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    1. Não achei nada melhor, cara. Todas as fotos de banheiros eram ou muito limpos ou muito sujos .-.

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