sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Covardia


Ela tinha esquecido seus fones de ouvido em casa. Lamentava por sua falta de memória. O som em seus ouvidos distraía sua mente, evitava que pensasse em seus problemas.
Mas, naquela tarde, ela não tinha escapatória. Com os olhos perdidos na janela, ela questionava o valor de sua vida. E se nunca voltasse pra casa naquele dia?




O que o mundo perderia se ela parasse de respirar antes do sol se esconder no horizonte? Era apenas uma gota d’água no horizonte, ninguém daria falta. Passou a mão nos cabelos, tentando afastar a franja dos olhos. Precisava se decidir logo.
Os pais tão ausentes, os amigos tão ocupados, e ele... Bem... Ele a deixara há algumas semanas e ainda se pegava chorando por sua ausência. Estava sozinha, por todos os lados.
O ônibus parou em um ponto e um senhorzinho subiu. Tinha cabelos grisalhos e uma boina amarronzada na cabeça. Usava óculos e apoiava-se em uma bengala.
Ele se sentou ao lado dela e lançou um sorriso.
─ Boa tarde.
Ela respondeu um meneio com a cabeça. Ficaram em silêncio algum tempo.
─ Você não parece muito feliz.
Ela piscou algumas vezes e olhou o senhorzinho. Ele deveria ter visto a Segunda Guerra e tinha várias rugas no rosto, mas os olhos demostravam jovialidade. Eram de um azul que lembrava o mar. Ah, o mar...
Ela não respondeu. Talvez tivesse imaginado o senhor falar aquilo... Talvez ele tivesse falando com outra pessoa... Mas não. Ele estava falando com ela... Vendo sua alma com aquele par de olhos de mar.
─ Não deveria ter pensamentos ruins, moça. Vejo seu potencial, posso ver a grande pessoa que você se tornará... Mas quando pensa desse jeito, tão... negativo, minha visão fica turva e não posso ter mais tanta certeza de que cumprirá seu destino.
Ela estava tão perplexa para responder que apenas ficou olhando-o. Não era o tipo de coisa para se falar a uma desconhecida no ônibus. Aquele velho deveria estar ficando muito doido. Alguém estava vendo..?
─ Não, minha jovem. Eu vim falar com você, não com eles.
Ela deveria gritar por ajuda, levantar e sair correndo... Mas algo nele fazia com que o mundo parecesse mais calmo. Talvez os olhos, talvez a suavidade da voz do senhorzinho...
─ Mas... Qual a importância?
─ Não seja egoísta, criança. Seus pais te deram a vida, cuidaram de você, investiram tempo e dinheiro. Seu irmão, por mais que briguem, sabe que ele te admira. Seus amigos... Quer vê-los chorando em seu velório?
Ela não quis saber como veria alguém chorando em seu velório se estaria morta. Só então notara no ritmo que o senhorzinho tinha um ritmo forte al falar. O tom de sua voz poderia ser idoso, mas as poucas pausas e a fala muito bem coordenada.
Ele sorriu.
─ O mundo, criança, é mais do que isso. Se não está feliz agora, eu só posso lamentar. Mas não posso deixar que você acabe com a felicidade de mais uma dúzia de pessoas assim, por covardia.
─ Não é covardia...!
─ É medo de lutar e perder. Criança, escute... A vida é isso: lutar. Contra os outros ou contra nós mesmos... Suas maiores batalhas ainda estão longe, e você já está fraquejando!
Ele colocou a mão no ombro dela.
─ Seja forte, criança. O mundo vai piorar, mas precisa lutar... e mais que isso: você precisa ganhar.
Ele se levantou e deu um último sorriso bondoso.
─ Não está sozinha.
Então sua visão escureceu e no momento seguinte notou que estivera dormindo. Olhou ao redor, o senhorzinho não estava mais lá. O banco ao seu lado estava vazio, o ônibus em movimento...
Fosse ou não verdade, seja lá o que fosse aquele velhinho, o fato é que falara verdades. Voltou a olhar para a rua e assustou-se. O senhorzinho estava parado, na calçada, olhando para ela.
Ela não teve certeza, mas o reflexo na janela pareceu formar algo em torno do senhorzinho, por breves segundos, mas pareciam... asas.



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