sábado, 1 de setembro de 2012

[conto] Gaiolas sem janelas

Ela se perguntava se era possível estar sozinha mesmo cercada por uma multidão. O ônibus estava cheio, como sempre. Era uma noite amena de quinta feira, sem lua; sem nada de especial.
Ela estava de pé, segurando na barra de ferro do ônibus com uma das mãos e a outra no bolso, segurando o celular sem nenhum motivo especial. Os fones de ouvido estavam por dentro da camiseta e a música fazia uma tentativa frustrada de fazer o tempo passar mais rápido.
A mente estava perdida em algum lugar entre o cansaço de o tédio, presa como um pássaro na gaiola. Uma gaiola que poderia ser maior, mas o ciclo de tédio-cansaço não deixava.
Ela esticou os olhos para o livro que uma moça estava lendo. A moça deveria ter seus trinta-e-poucos anos... Lendo um livro de autoajuda. "Quando Deus fecha uma porta, ele pode estar abrindo uma janela".  
Ela lembrou-se da mãe dizendo que quem pula janela é ladrão. 
Aquilo não fazia sentido... Mas... Alguma parte da vida fazia?

Olhou pela janela e viu que estava quase chegando em seu ponto. Apertou o botão que mostrava ao motorista que alguém queria descer e uma pequena luz se ascendeu lá na frente.
Alguns segundos depois o ônibus parou e ela desceu os poucos degraus. Um homem desceu também. Ela colocou as mãos nos bolsos, aumentou o volume da música e começou a procurar as chaves dentro da mochila.
Tateou o chaveiro e em seguida puxou as chaves para fora. Ficou rodando o chaveiro nos dedos enquanto andava.
A rua estava deserta, bem como todas as outras noites. A grande desvantagem de se tornar adulto é essa... As pessoas trabalham, estudam e vivem uma vida simplesmente inútil. Chegam em casa tarde, cansados e fedidos.
Ela dobrou a esquina e viu o portão de sua casa. Vermelho-desbotado... Mesmo assim era seu pedacinho do céu no fim do dia.
Então a rua deserta ganhou mais um personagem. Um rapaz vinha com as mãos nos bolsos, em direção contrária a ela... Estava fumando um cigarro e soprando a fumaça como se fosse uma chaminé. Então ele atravessou e ficou na mesma calçada que ela.
O sangue dela gelou. Tirou os fones de ouvido e fechou a mão em torno das chaves. Ela acelerou o passo e abaixou a cabeça, mas manteve os olhos no sujeito – que àquela distância mostrava ser um pouco mais suspeito.
Barba por fazer, toca na cabeça, sapatos de marca e um moletom batido. Ela acelerou mais o passo... Estava quase correndo pra casa. Foi então que ela olhou para trás e viu mais uma figura sinistra virando a esquina. O coração disparou. Ela pegou o celular dentro do bolso... Talvez devesse ligar para a polícia... Não dava mais tempo... 
Talvez devesse gritar... Acordar todos os vizinhos... 
Seria uma boa hora para começar a rezar. "Quando Deus fecha uma porta...” Deus poderia abrir uma janela ali, no meio da rua naquele momento; que a levasse para dentro de sua casa, em segurança.

O homem encapuzado passou por ela encarando-a.
"Nossa..." disse ele quase num murmuro.
Mais alguns passos...
Poucos passos até a porta de casa...
A chave já estava pronta na mão...
Ela colocou o pé em sua calçada...
Mais dois passos...
Colocou a chave na fechadura, abriu o portão...
Olhou para o lado...
Os dois homens conversavam a cerca de dez metros, talvez menos... Eles a encaravam...
Ela deu às costas à rua e foi para dentro de sua casa, em paz.
Sobrevivera a mais um dia... Um dia comum, sem nada de especial; trancada em sua vidinha miserável...



Um comentário:

  1. "Gaiolas sem janelas"
    gostei muito do titulo, e do conto no geral, consegue prender a atenção, ótimo post:D

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