quarta-feira, 19 de março de 2014

Leão Vs. Gabi

Eu gostaria de conversar com meu eu de três anos atrás. Eu talvez a chamaria para um café, mas eu não gostava de café naquela época. Talvez pudéssemos beber alguma coisa depois que eu saísse do trabalho, mas eu não sairia tão tarde assim (muito menos para o Centro).
Acho que eu deveria me chamar para comer uma coxinha e beber um suco de laranja. Talvez ela viesse no meu horário de almoço, ou seja, logo antes de anoitecer.
Eu começaria com um conselho: desapegue.
Sua casa, seus cães, seu tempo disponível, seu quarto e aquele soninho no sofá... Esqueça tudo isso. Não vai fazer mais parte da sua vida.
A faculdade não vai ser como você pensa. Pegar metrô de manhã é um inferno. Ler é necessário e escrever é obrigação. Desista também de publicar seu livro. Você não tem dinheiro pra isso.
Nesse momento eu teria os olhos apertados, pés batendo no chão e mandíbula comprimida. Eu estaria sendo contrariada, e essa seria a reação mais plausível.
Então eu continuaria: você vai trabalhar em assessoria de imprensa e seus sonhos jornalísticos vão morrer lentamente... A grande repórter investigativa agora investiga, no máximo, as diferentes maneiras de chegar na Rua Boa Vista.
Você que só atende por Leão, vai aprender a atender por Gabriela. Você que se julgava a escolhida, não passa de um grão de areia no fundo do oceano.
Eu estaria com um misto de medo e dó no rosto. Mas então eu-atual abriria um sorrisinho, daria um gole no meu suco de laranja e diria "Não é tão ruim quanto parece".

Talvez meu eu do passado ficasse furioso com a última afirmação. Talvez batesse com a mão na mesa e me desse uma aula sobre "O QUE EU ME TORNEI?". É claro que meu eu do passado era tão teimoso quanto meu eu do presente. Ficaria indignada com algumas condutas que tenho hoje em dia, com filosofias que adotei e canções que passei a assoviar.

Mas, eu me conheço. Falaria sobre pequenas caridades que fiz, ideias que tive e novas canções que assovio. Falaria de mudanças necessárias, de dores que se foram e novas que apareceram... Falaria de amigos que partiram, que ficaram e que partiram e voltaram.
Meu eu do passado ouviria tudo enquanto devorava a coxinha e me analisava. Eu ainda uso camiseta preta? Unhas sem pintar? Eu cortei o cabelo? Aparelho nos dentes? Isso na sua calça é pelo de cachorro? Pelo menos continuo sangue azul e a humildade de um grande rei (e senso de humor interno).
Isso me bastaria.

O que eu não daria para ouvir meu eu do futuro?

O que eu me aconselharia? O que eu deveria saber? O que eu não deveria?

sexta-feira, 14 de março de 2014

Escrever

Sou uma pessoa teimosa.
Há mais de um ano, desisti de publicar um livro. Uma editora até quis publicar uma de minhas histórias, mas o preço era absurdamente caro e acabei abrindo mão desse sonho.
Mããs... Sempre disse que parte de mim é um esquilo, no qual os dentes são a imaginação. Se eu não roer algo, ou seja, se eu não escrever nada; meus dentes crescem tanto que acabam me matando.  Basicamente, preciso escrever para "gastar" minha criatividade.
O problema é que mesmo depois de minha decepção literária, continuo escrevendo. Tenho momentos, claro. Hora quero ficção científica, hora escrevo sobre vampiros, hora sobre a terra média.
No entanto, existem algumas histórias que criei há (no mínimo) cinco anos, e desde então eu tenho aperfeiçoado a ideia... Sempre me ponho a escrevê-las, vejo que estão bobas e abandono.

Há muito tempo cheguei a conclusão de que não apagaria o que escrevo (quando ultrapassa 20 páginas). Tenho muitas coisas guardadas aqui nesse pc... Coisas de 2009 em diante.

Nos ultimos meses estive escrevendo uma de minhas cismas. Comparando com a ideia original, aconteceram mudanças drásticas. Mas o conceito continua, e isso é importante.
Estava com minhas belas 70 páginas quando o ano letivo começou... Guardei a história e hoje, numa noite de sexta feira, quis escrever um pouco. Meus dentes começaram a me incomodar.

Mas... Onde guardei a história?

Depois de procurar muito, acabei desistindo. Ela sumiu.
Em minha procura, acabei abrindo arquivos antigos... Histórias que nem lembro de ter escrito. Algumas me fazer erguer as sobrancelhas e pensar "quantos anos eu tinha quando escrevi isso?!" (esse comentário serve para os dois lados de pensamento, caso esteja se perguntando).

Cinco anos de escritos. Acredito que por isso estudo jornalismo. Acredito que continuo escrevendo por conta de alguns amigos e de minha professora de português. Lembro das vezes em que todos estavam se matando pra fazer uma redação de 30 linhas e minha professora dava aquele sorrisinho de "hahaha, olhe aqueles bobalhões"

Às vezes culpo esses amigos e essa professora. Se eles não me dessem tanta força, eu poderia estar estudando veterinária, medicina... Alguma coisa com mais "futuro". É claro, foi uma escolha que eu fiz quando resolvi aceitar que me dava bem com textos.

Se bem que na época eu escrevia mal pra caramba.

Escrever é uma necessidade secundária, creio eu. Meu principal ponto é criar, imaginar.
Se eu soubesse desenhar, daria na mesma. A questão é que estaria em outro campo comercial.

sábado, 8 de março de 2014

A maldição


Acredito que palavras têm poder. Gosto delas. Mais que isso... Elas são um tipo de amante explícito. Todos sabem, todos enxergam, todos falam.
Acredito que elas tenham algum poder sobre o Universo e que se repetirmos as mesmas palavras muitas vezes, elas começam a ganhar outros significados. Significados esses muito mais complexos, muito mais profundos.
Associar palavras à pessoas se tornou algo comum. Não só por alguma situação que a palavra estivesse envolvida, algum trocadilho, alguma piada cretina... Não. As palavras começaram a grudar em algumas pessoas como se fossem músicas.
Todos temos músicas que associamos a outras pessoas, situações e lugares.
Isso começou a acontecer de alguns meses para cá e, devo admitir, é irritante. Gosto muito de ler e é incrível como as palavras de algumas pessoas se repetem o tempo todo.
Isso revive memórias. E memórias são um perigo.
Esses dias me peguei no pulo quando às 2 e pouco da manhã, estava lendo textos desnecessários. Eu deveria estar dormindo. Sim, eu deveria. Mas não, as palavras me levaram até ali para tomar um shot de memórias. Com um cubo de gelo, por favor.
Percebi algumas coisas que nunca tinha percebido. Havia uma espécie de mantra em todo texto, uma espécie de ordem que li e reli várias vezes... E essa “maldição” se instalou em minha mente.
Mas, como toda boa bebida, tomei o segundo e o terceiro shot. Li minha maldição mais uma dúzia de vezes. Fui dormir e percebi que aqueles três (ou seriam quatro? cinco? Dez?) shots tinham me deixado terrivelmente alterada.
Como todo bom bêbado, eu troquei nomes na hora errada. Palavras novamente. Minha maldição, minha bênção, meu amor, meu ódio, atração e repulsa, minha dose diária de vinho barato.
Meu celular tocou baixinho debaixo do travesseiro. Não poderia ser... Mesmo com as pupilas do tamanho de bolinhas de gude, eu precisava saber. Não era o passado, e sim o futuro.

(escrito em 14/2)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Refletindo com mendigos

*É um texto baseado em fatos reais.
Aconteceu no dia 26/02/14

Quarta-feira é um dia tão sem graça. Está ali, no meio da semana, não fere e nem cheira, nem alegra nem desanima... Apenas existe, assim como eu. Acho que é meu dia, ou pelo menos, o dia que me representa.

Wednesday. Agora a Família Addans faz sentido.

Eu estava saindo do trabalho. Dentro da mochila estavam os documentos, o dinheiro, o livro, um chocolate velho, alguns pares de moedas (destinadas aos músicos de rua), o guardachuva, o caderno da faculdade e o fone de ouvido.
Eu procurava o último ítem apenas com o tato, porque não se deve desviar os olhos da rua em São Paulo. Muito menos quando já passou das oito da noite.

Maldito fone azul. Onde você se meteu?

Ah, esqueci de mencionar: estava abafado. Havia chovido um pouco no final da tarde, as ruas ainda estavam molhadas, mas o maldito calor voltara. O ar estava denso de tantas partículas de água flutuando.
Minhas meias começavam a ficar úmidas. Não sou uma pessoa que ligue para bobeiras como desviar de poças na calçada. Eu havia pisado em pelo menos três naqueles últimos 200 metros.
Outras pessoas saiam de seus trabalhos. Homens de terno e gravata, mulheres de salto e saia. Eu, estagiária, de All Star, jeans e camiseta.
Como bom aprendiz de jornalista, os olhos e ouvidos estão sempre atentos (ou tentam estar, claro). Foi então que ouvi a frase:

"...Ela me deixou e está com outro cara"

O tom era triste, mas o que me fez olhar para trás foi a próximidade da voz. Em um quase susto, meus olhos encontraram dois moradores de rua sentados em um canto da calçada. O que falava tinha uma mão enterrada nos cabelos e a outra pendendo sobre o joelho. Estava sentado, encolhido e desconsolado.
Seu ouvinte poderia ser seu irmão ou qualquer outra coisa. Olhava para o amigo com uma cara que com certeza você já fez ao consolar algum amigo. Aqueles olhos que dizem: "ela não te merecia... Você vai ficar bem, cara".
Ambos usavam roupas escuras e sujas. Sapatos velhos, barbas e cabelos cheios de nós.

Um flash de visão.

Achei meu fone de ouvido azul. Coloquei-o por dentro da camiseta, ajeitei a mochila nas costas e continuei andando em direção ao metrô São Bento. Desci a primeira escada rolante ainda escolhendo minha trilha sonora.

Na segunda, percebi que aquele homem era igual a qualquer homem. E aquela mulher... Bem... Talvez ela não o merecesse mesmo. Talvez ele merecesse coisa melhor. Talvez ela simplesmente não prestasse.

O som que indica que as portas vão fechar. Corri, não consegui chegar a tempo. Fiquei com cara de idiota ao perceber que já era tarde.