sábado, 13 de abril de 2013

[conto] Noite sem música

Ele havia esquecido os fones de ouvido em casa. Andava na solidão do mundo fazendo a coisa que mais odiava: Pensar.
A música o tirava deste mundo, deixava sua mente sem pensamentos... Apenas a música ecoando nas paredes vazias de seu cérebro. As músicas em inglês que vez ou outra ele lera a tradução na internet.
Bons tempos aqueles em que ele lia traduções... Bons tempos em que músicas representavam momentos bons e ruins.

Mas depois de algum tempo aquelas se tornaram apenas músicas comuns... Razão para evitar pensar, e não o oposto. Pensar é uma coisa difícil e perigosa. Faz com que criemos expectativas, imaginemos um futuro... Pensar nos faz lembrar, e lembrar nos faz sofrer por feridas que não se cicatrizaram muito bem ou então momentos felizes que passaram... e nunca mais voltarão.
Pensar é triste.

Por um momento ele lembrou de uma piada... Chegou a sorrir enquanto andava. Em seguida lembrou de quem a contou... Ela, ela havia contado aquela piada... Era um dia de sol, estavam sentados na calçada olhando as nuvens... A piada era idiota, mas a risada dela o fez rir na ocasião... O sorriso dela...
Ele abaixou a cabeça e continuou andando. Era o que fazia há algum tempo: Abaixava a cabeça e continuava andando.  Seus instintos estavam afetados. Muitas vezes precisava refletir se estava com fome ou não.
A vida o ensinou a abrir mão de sonhos impossíveis e que todo sonho é impossível. Se fosse possível se chamaria realidade. Mas não é. Não se pode sonhar com coisas que não caibam em nossas mãos ou com coisas que não podemos tocar. É como tentar levantar um elefante ou tentar agarrar o ar.

O ar. Gostava de compará-la ao ar. Estava em todo lugar, o tempo todo, esquecia quando caminhava com música e lembrava quando pensava. Não gostava de pensar nela. Seu sol, seu ar, sua razão para lutar por sonhos.
Não havia mais sonhos, não havia mais sol... Mas ainda existia ar nas noites sem música.

Ele saia de casa antes de amanhecer e voltava quando o sol já tinha se despedido. Ocupava sua mente o máximo possível, arrastando sua existência sem razão, pensando nas várias maneiras que uma pessoa pode se matar...

Era seu pensamento mais comum. Um prédio, uma faca, um galão de água sanitária, uma farmácia, um traficante, uma corda... Tudo tão perto, tão ao alcance das mãos...
Por que não? Simples: O que ela pensaria? Se sentiria culpada eternamente... Talvez não chorasse, mas com certeza saberia que a causa foram as palavras que ela dissera... Duras palavras.

Olhou para atravessar e mudou de calçada. Havia um bar ali... Beber? Eis a questão. Talvez devesse tomar uma ou duas cervejas... Ou entrar um coma alcoólico. Lá havia música... De péssima qualidade, mas ainda assim, música. Possibilidades... Pensar...
Ela não gostara de vê-lo naquela situação. O estado em que havia chegado era deplorável... Não se lembrava mais se a barba estava feita ou não... Não sabia mais se tinha comida na geladeira... Mas lembrava há quantos dias estava sozinho.

Ele olhou para trás. A rua era praticamente deserta, então por que olhara para atravessar?


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