sábado, 14 de abril de 2012

V

Leitores queridos,
Eis mais uma parte de nossa pequena novela.
(na boa.. eu acho que isso aqui é bem mais legal do que novela... e olha que eu acho que isso está chato pra caramba).
Enfim...
Aguardo críticas.

 V


Mariana nunca teve uma boa memória para coisas importantes. Lembrava frases de filmes, mas não lembrava o que tinha comido no dia anterior. Esse problema fez com que durante muitos anos ela gravasse vídeos no dia-a-dia. Levava a câmera pra onde quer que fosse e gravava alguns minutos.
O tempo foi passando, os vídeos foram ficando menos constantes até que chegamos ao ponto de não gravarmos mais nada. A vida tinha parado de ser tão engraçada. Os momentos bons deveriam ser guardados, os ruins ignorados.
Porém a câmera estava sempre ali por cima... Sempre ao alcance da mão de Mariana. Era um passatempo. 

Nos dois dias anteriores eu não havia contado com a companhia de Mariana. Ela tinha saído para procurar o que fazer e não tinha voltado. Normal. Se até o fim de semana ela não voltasse, eu começaria a me preocupar.
Mas, como sempre, ela voltou antes que eu começasse a procura-la no IML. Abriu a porta, largou os tênis num canto e jogou a mochila no chão. Ligou o notebook e enquanto ele carregava ela tirou a câmera da mochila e um cabo cheio de nós.
─ Tem alguma coisa pra comer? Estou realmente morrendo de fome. ─disse ela enquanto plugava o cabo.
Anos e anos aguentando aquele ser humano tinham me transformado numa pessoa tranquila. Qualquer um estaria resmungando sobre a falta de consideração dela... 
─ Não. ─eu disse.
Ela largou o notebook e enquanto alguma coisa saía da câmera para o notebook, ela levantou-se e foi pra cozinha. De lá voltou com um pacote de bolachas e uma garrafa de 600ml de coca cola.
─ Estou investigando um grupo político... Coisa grande. Arrumei uma gravação com a secretária do cara... Eu disse que eu era a secretária de um outro cara com quem esse vereador tem negócios e a moça me disse pra eu voltar hoje às 6.
─ Já são 5 horas.
─ Eu sei, por isso estou com pressa e preciso de ajuda. Preciso que me leve até lá. Não posso chegar dirigindo nossa lata velha... Que secretária de vereador dirigiria isso? Você me deixa na esquina e volta. Não deixe ninguém te ver. 
Em quarenta e cinco minutos estávamos saindo. Ela estava com cara de secretária, cabelo arrumado e roupas sociais. O tipo de coisa que não se via todos os dias. Eu a deixei no lugar indicado e voltei pra casa.

Eram onze da noite quando ela voltou. Dessa vez ela descarregou apenas o gravador na memória do notebook. Ela pediu que eu ouvisse as falcatruas enquanto ela tomava um banho. Ouvi e tive vergonha do meu país.
O que eu ouvi foi o que você com certeza já ouviu na televisão. Uma dessas coisas que você ouviu foi Mariana quem gravou. Naquela madrugada ela contatou uma emissora e mandou todo o conteúdo.
Na manhã seguinte as matérias já estavam sendo feitas e os políticos já sabiam o que estava acontecendo. Cada qual escondeu-se em seus buracos de rato e começaram a fazer seus contatos. É claro que se sairiam bem daquela história.
Em troca de seus serviços Mariana recebeu uma quantia de um jornalista da emissora. O jornalista que assinaria aquelas matérias todas... Era um mercado negro de informações.
Não havia tantos motivos para comemorar, mas mesmo assim decidimos dar uma relaxada. Assim que anoiteceu resolvemos ir até uma lanchonete que ficava perto da rua Barker. Tinha lanches bons e com preços acessíveis.
Estávamos na metade do caminho quando Mariana olhou rapidamente para trás e disse quase inaudível:
─ Não olhe pra trás. Estamos sendo seguidas.
─ O que vamos fazer?
─ Tenho certeza de que o problema é comigo, então você vai virar na próxima esquina e ir correndo pra casa. Quando chegar liga pro Gregório.
─ Não vou deixar você sozinha.
─ Vai sim.
A esquina ainda estava relativamente longe e a rua estava deserta. Eu comecei a ouvir um grupo de pés se aproximando. Eu e Mariana começamos a andar mais rápido e os passos às nossas costas também aceleraram. 
Segundos depois estávamos correndo. Naquele momento não me contive e olhei para trás. Eram três homens. Aquilo me fez correr mais. Agora estávamos na esquina, Mariana me empurrou para o lado e eu me desequilibrei. Fui ao chão como há anos não ia. No segundo seguinte um deles estava encima de mim, me segurando os punhos. Comecei a me debater, mas o homem era no mínimo o dobro de mim.
Parei de me debater um instante e olhei para o fim da rua. Os outros dois estavam alcançando Mariana. Ela parou brutalmente e deu um soco no rosto de um deles. O homem deu alguns passos para trás e então revidou com o dobro da força. Mariana caiu.
Naquele instante voltei a me debater. Precisava ir ajuda-la! Todos meus movimentos eram inúteis. Enquanto tentava me livrar do monstro que segurava meus braços, via algo que não poderia estar acontecendo. Mariana no chão ainda tentava se defender, mas era inútil. Vi um dos homens sacando uma arma e atirando. Não uma, não duas e nem três vezes...  
Eu ouvia o som dos pontapés de onde estava. Voltei a me debater e mordi a mão do bruta-montes. Ele me soltou um instante e eu corri... Corri como se não houvesse amanhã... A cada passo eu sentia o meu medo crescer.
Quando estava há uns 5 metros de mariana eu levei um golpe sobre as costelas e senti uma dor extremamente forte enquanto ia ao chão novamente. 
─ E isso é pra você não se meter com assuntos que não são seus! ─ouvi.
Depois disso ainda ouvi mais um golpe, provavelmente um chute. Os três se afastaram correndo, sumiram na noite. Eu me levantei cambaleante e foi até Mariana. Ela tinha o rosto sangrando, mas os olhos semi-abertos. 
─ Desculpa... ─disse ela.
Fui atingida por uma onda de desespero. Não sabia o que fazer... Ali no chão Mariana foi fechando os olhos lentamente. Eu peguei o celular no meu bolso e liguei para a emergência.
Ouvi trovões no céu e então começou a chover. Parece clichê de final de filme dramático, mas foi o que aconteceu. Uma chuva extremamente forte. Assim que terminei com a emergência, liguei para Gregório enquanto tentava acordar Mariana. Ela, deitada no asfalto... As gotas de chuva iam diluindo os fios de sangue que escorriam dos pequenos cortes em seu rosto.
Um tempo depois a emergência chegou. Colocaram Mariana em uma maca e em seguida a colocaram dentro da ambulância. Eu respirei fundo enquanto ouvia as viaturas vindo. 
As viaturas apareceram em segundos, antes mesmo da ambulância partir. Gregório aproximou-se e aos berros ordenou que o motorista da ambulância acelerasse. Os olhos dele ficaram milésimos de segundo dentro da ambulância... Voltou-se para mim:
─ Pra onde eles foram e quantos eram?
─ Três, pra lá.
Gregório voltou-se ao seu grupo de viaturas.
─ Você! Leve-a para o hospital que aquela ambulância foi e escolte as duas até eu mandar alguém pra trocar de turno com você! Os outros vêm comigo!
Entrei na viatura e tentei me acalmar enquanto os pneus cantavam no asfalto molhado. Respirei fundo e senti minhas costelas doerem. As gotas de chuva escorriam pelo vidro e eu fiquei encarando-as alguns instantes. Meus pensamentos não eram muito otimistas... Mas aviso à você que está lendo: Ainda teremos capítulos depois desse.
Segundos depois minhas costelas começaram a doer mais e mais. Quando chegamos ao hospital eu praticamente me arrastei para dentro com a ajuda do policial. Me colocaram numa cadeira de rodas, tiraram um raio-x... Costelas quebradas. 
Devido às minhas perguntas em relação ao estado de Mariana eu fui sedada.

Acordei na manhã seguinte vendo o teto branco do quarto. Por alguns segundos eu fiquei sem saber onde estava, o que tinha acontecido... E então tudo veio a minha mente como uma onda. Meu primeiro impulso foi levantar da cama, mas então senti uma forte dor. Costelas...
─ Ei, ei, ei! ─disse uma enfermeira se aproximando─ Não pode se levantar!
─ Preciso saber como minha amiga está...
─ Ela está bem. E a senhora fique de repouso. Você quebrou duas costelas, mas foi uma coisa bem simples... Elas praticamente só racharam. Hoje mesmo você pode ir pra casa, mas vai ter que prometer ficar em repouso.
“Ela está bem”. Que se dane essa resposta. Eu queria ver em que estado ela estava, mas era impossível sair dali. Eu sabia. Fiquei lá, deitada, vendo televisão até o horário da visita.
Minhas visitas foram Sra. Marta e Gregório. Contei a eles o que exatamente tinha acontecido. Os dois ouviram quietos. Daí então foi a vez deles falarem. Gregório não tinha encontrado os caras. E Mariana... Estava na UTI, sem poder receber visitas.
Gregório voltou ao trabalho e a Sra. Marta me levou de volta pra casa. Eu estava tomando uma pilha de remédios... me davam sono... eu dormia.
Fiquei sem muitas notícias de Mariana por cinco dias. Então ela saiu da UTI e foi para o quarto. Eu não podia visita-la, “repouso absoluto” dizia Sra. Marta. Uma semana depois Sra. Marta levou o notebook para o hospital à pedido de Mariana.
Naquele mesmo dia eu vi o jornal da noite comentar o caso de mariana. “Uma entrevista feita online...” dizia o jornal. A safada tinha voltado ao mundo da mídia... Sairia do hospital e iria chover emprego.

Mais alguns dias e então ouvi Sra. Marta chegar. Ela falava com alguém lá embaixo, mas eu ignorei. Então ouvi minha porta abrindo-se e Sra. Marta entrando carregando uma pessoa pálida e cheia de hematomas entrando pela sala. Ela levantou o braço disponível ─visto que o outro estava engessado─ e fez um sinal de “pare”.
─ Não se levante. É sério.
Sra. Marta praticamente a carregou até sua poltrona e a deixou lá. Ela respirou fundo, fechou os olhos e abriu um leve sorriso. Sra. Marta foi até a cozinha e começou a mexer nas panelas.
Fiquei encarando Mariana com a imensa vontade de dar-lhe um abraço tão forte que as costelas dela quebrassem também, mas nem eu e nem ela estávamos em condições. Ela me encarou alguns instantes com a expressão séria. 
─ Escolha um número.
─ 1.
─ 1 é ímpar, você perdeu. Você se muda amanhã.
─ Quê??!
─ Não podemos mais dividir o mesmo endereço. Uma de nós precisa sair. Jogamos “par ou ímpar”. Eu escolhi “par”, você disse “1”, “1” é ímpar. Você perdeu, você se muda. 
─ Você está louca? Não vou me mudar!
─ Vai sim. Olha o estado em que você está por minha causa. Poderia ter sido pior... Bem pior. Acha que vou me perdoar se alguma coisa acontecer? Não, não vou. Então a partir de amanhã você vai morar com a sua irmã.
Ela tirou o celular do bolso e discou algum número.
─ Estou ligando pra ela.
─ Desliga isso.
─ Não.
Me levantei com um pouco de dificuldade e tirei o celular das mãos dela. Cancelei a ligação e deixei o celular encima da mesa. ela com certeza não iria se levantar dali tão cedo sem ajuda. 
─ Sei o perigo que estou correndo e estou escolhendo ficar aqui. É uma opção minha, não sua.... E mais uma coisa: Todo mundo morre... A única diferença é como. ─eu imitei-a.
─ Essa é a questão. A causa da sua morte não pode ser relacionada à problemas que não são seus.
─ Já disse: Vou ficar aqui e pronto. Não pode me expulsar.
─ Comprei a casa, te expulso quando quiser.
─ Os móveis e os eletrodomésticos são meus.
─ Compro outros.
─ Sou sua única amiga. Não pode comprar amigos!
Ela me encarou.
─ Ok, mas vamos ter algumas condições de agora em diante... ─disse ela.
Eu voltei ao meu sofá.
─ Entre em uma academia, aprenda judô... Boxe... Aprenda a usar uma arma... Sei lá. 

Eu me recuperei na semana seguinte. Mariana demorou um pouco mais. Recebemos visitas da minha família dia sim e dia não. Minha família e Sra. Marta haviam trazido comidas saudáveis à nossa alimentação... O tipo de coisa que praticamente eu nem lembrava o gosto.
E Gregório vinha todas as noites com uma sacola nas mãos. Trazia besteira para comermos. Frango de padaria era o mais próximo de alimentação saudável. Ele era praticamente da família... Um irmão mais velho.

O mundo das notícias tinha suas portas abertas novamente. Ela recebeu algumas propostas de emprego... recusou todas. Dizia que tinha gostado daquela coisa de “detetive”.
Um mês depois os hematomas já tinham saído e a Sra. Marta não precisava mais ficar cuidando de nós como se fossemos duas crianças doentes. Gregório tinha parado de vir todas as noites e eu tinha me matriculado em aulas de luta ─ coisa que sempre quis fazer.
Tudo tranquilo, exceto o fato de que Mariana mancava constantemente. Comprou uma bengala no dia em que o médico dissera que não tinha mais jeito. Não preciso dizer que ela passou algumas semanas transformando a bengala numa arma, não é?

6 comentários:

  1. Eu tou me amarrando muito nisso, Gabi!
    *-*
    Beijokas!

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  2. Nossa..que evolução da Mariana heim. Gostei! Sinceramente ta beem melhor Gabi, agora ta com a tua cara, do jeito que sabe fazer. Ah.. Na hora do "meus movimentos eram inúteis" lembrei dos "todos meus movimentos são friamente calculados", kkk.
    Não comentei os outros pq o meu querido aparelho não deixou, mas to aqui no modo ninja de ser aguardando as cenas dos próximos capitulos. Bjo da tia dos pães
    kkk
    ah..apropósito terminei o livro e AMEI, chorei, ri, me descabelei e to com vontade de ler novamente..aguardo novas sujestões viu.

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  3. Too meio sem tempo, estou salvando no celular e lendo dps... mais tarde eu comento do que eu achei hhee'

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  4. hehe Eu li no celular.... è impressão minha ou a Mariana Está meio que Dr. house? kkk'

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  5. Melhorando mesmo.
    Já dá vontade de ler o próximo de verdade.
    Sabe assim tipo, não por amizade, mas por curiosidade mesmo de saber o que vai acontecer.

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