Eu gostaria de conversar com meu eu de três anos atrás. Eu
talvez a chamaria para um café, mas eu não gostava de café naquela época.
Talvez pudéssemos beber alguma coisa depois que eu saísse do trabalho, mas eu
não sairia tão tarde assim (muito menos para o Centro).
Acho que eu deveria me chamar para comer uma coxinha e beber
um suco de laranja. Talvez ela viesse no meu horário de almoço, ou seja, logo
antes de anoitecer.
Eu começaria com um conselho: desapegue.
Sua casa, seus cães, seu tempo disponível, seu quarto e
aquele soninho no sofá... Esqueça tudo isso. Não vai fazer mais parte da sua
vida.
A faculdade não vai ser como você pensa. Pegar metrô de
manhã é um inferno. Ler é necessário e escrever é obrigação. Desista também de
publicar seu livro. Você não tem dinheiro pra isso.
Nesse momento eu teria os olhos apertados, pés batendo no
chão e mandíbula comprimida. Eu estaria sendo contrariada, e essa seria a
reação mais plausível.
Então eu continuaria: você vai trabalhar em assessoria de
imprensa e seus sonhos jornalísticos vão morrer lentamente... A grande repórter
investigativa agora investiga, no máximo, as diferentes maneiras de chegar na
Rua Boa Vista.
Você que só atende por Leão, vai aprender a atender por Gabriela.
Você que se julgava a escolhida, não passa de um grão de areia no fundo do
oceano.
Eu estaria com um misto de medo e dó no rosto. Mas então
eu-atual abriria um sorrisinho, daria um gole no meu suco de laranja e diria
"Não é tão ruim quanto parece".
Talvez meu eu do passado ficasse furioso com a última
afirmação. Talvez batesse com a mão na mesa e me desse uma aula sobre "O
QUE EU ME TORNEI?". É claro que meu eu do passado era tão teimoso quanto
meu eu do presente. Ficaria indignada com algumas condutas que tenho hoje em
dia, com filosofias que adotei e canções que passei a assoviar.
Mas, eu me conheço. Falaria sobre pequenas caridades que
fiz, ideias que tive e novas canções que assovio. Falaria de mudanças
necessárias, de dores que se foram e novas que apareceram... Falaria de amigos
que partiram, que ficaram e que partiram e voltaram.
Meu eu do passado ouviria tudo enquanto devorava a coxinha e
me analisava. Eu ainda uso camiseta preta? Unhas sem pintar? Eu cortei o
cabelo? Aparelho nos dentes? Isso na sua calça é pelo de cachorro? Pelo menos continuo sangue azul e a humildade de um grande rei (e senso de humor interno).
Isso me bastaria.
Isso me bastaria.
O que eu não daria para ouvir meu eu do futuro?
O que eu me aconselharia? O que eu deveria saber? O que eu
não deveria?
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