domingo, 14 de agosto de 2016

Que a chama não se apague, por favor

As fotos nas paredes das casas sempre mostram momentos felizes. Ninguém quer ver momentos tristes na estante da sala. As fotos do Facebook também, sempre mostrando pessoas rodeadas de amigos, brincando em parques, viajando pelo mundo e comendo coisas que dão água na boca. Ninguém quer compartilhar a própria tristeza, mas não vê problema algum em compartilhar o vídeo da moça jogando filhotinhos de cachorro no rio ou criancinhas cadavéricas.
A infelicidade dos outros passa rápido, e não tente negar. Nós nos cercamos de imagens boas, de lembranças agradáveis e objetos que nos trazem boas sensações... Mas, bem no fundo, esses objetos se tornam assustadores.
São como as sombras que mudavam de forma na escuridão em nossa infância. Com a luz acesa, uma simples toalha de banho encostada na cadeira; com a luz apagada, um demônio que se arrastava para perto da cama, pronto para pegar nosso pé e nos arrastar para as profundezas do inferno.
Estou em um momento feliz da minha vida. Sucesso no trabalho, sucesso nos estudos, sucesso no amor e em tudo mais que você pode imaginar. É a toalha encostada na cadeira. Sinto-me extremamente querida por um seleto grupo de pessoas que amo e que sei que também me amam. Somos uma família, muitas vezes não de sangue.
Mas, todos os dias antes de dormir, preciso apagar a luz... E então o demônio aparece. Ele tem olhos vermelhos, garras afiadas e arrasta minha alma para cantos escuros. Não quero, luto contra ele... Mas não tenho opção. Me vejo no alto de uma montanha, ouvindo o vento surrar a porta e esperando ansiosamente a morte me levar.
Parte de mim quer se sentar próximo ao fogo, rir vendo fotos antigas, receber um cafuné no cabelo e dormir sentindo braços em volta do meu corpo... Mas parte de mim sabe que não vai ser assim. Essa segunda parte é triste, mas realista. É meu demônio pessoal. Me atormenta, mas me faz sobreviver. O outro lado pergunta: pra que viver longe do fogo?
Meu demônio coloca as fotos dentro de caixas de papelão e as guarda em cantos escuros. Fotos essas que estou tirando hoje em dia, publicando no Facebook ou deixando salvo no Google Drive. Eu sei que vou olhar essas fotos, ler alguns textos e sentir um aperto no coração. Eu já sei quais músicas vou ouvir quando estiver sozinha.

Oh thinkin' about all our younger years
There was only you and me
We were young and wild and free

Sim, eu vou poder dizer que fui selvagem, jovem e livre... Mas o tempo de hoje será um tempo passado. Vou sentir falta das noites deitadas ao lado do fogo, recebendo cafuné no cabelo e suspirando sentindo e guardando cheiros. O tempo de hoje será uma lembrança boa, como uma cicatriz que tem uma história engraçada.
Penso que os outros estarão em suas lareiras enquanto eu estarei fazendo queda de braço com o vento gelado. Algumas pessoas foram predestinadas a serem sozinhas, por mais que não queiram. O fato de eu gostar de brincar com o fogo e sentir um estranho prazer em queimar a ponta dos dedos não é nada para o demônio da noite. Ele apaga o fogo e te arrasta, enquanto você se agarra no que pode. Não adianta puxar o cobertor até a testa e fechar os olhos... O demônio te leva nos braços, rindo da ingenuidade infantil.
Mas, como eu disse, estou em um momento feliz da minha vida. Me agarro com força nos braços que me abraçam, alimento o fogo da lareira e durmo vendo as chamas. Sei que vai acabar, mas preciso ter algo bom para me lembrar... Preciso de uma época young and wild and free pra fazer a música ter sentido no futuro, certo?
Em meu otimismo, espero que essa boa fase dure o máximo possível e que a chama arda mais que uma noite... Que eu tenha que buscar mais lenha e esvaziar meus pulmões para alimentar o fogo... Mas, por favor, continue queimando.




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