domingo, 10 de maio de 2015

[conto] Os 13 sacrifícios



Não adiantava mais discutir. Luca respirou fundo e sentiu o gosto salgado do mar. Estar ali parecia algo irreal e quase impossível. Sempre ouvira falar de histórias e sempre tivera medo delas. Talvez fosse por isso que estava ali naquele instante: os deuses tinham escolhido os homens mais assustados para a missão.
Sete moças e sete rapazes estavam parados às portas do famoso labirinto. Luca sentia as mãos tremendo e percebeu que os outros estavam de maneira igual ou pior. Um rapaz e duas moças enxugavam as lágrimas quando um homem do rei se aproximou. Vestia-se ricamente e parecia confortável com a situação. Provavelmente já fez isso dezenas de vezes...
– Vocês estão prestes a entrar no labirinto. Saibam que essa é uma graça dos deuses, pois poucos são escolhidos para tal tarefa. Os deuses dão os cargos mais pesados aos guerreiros mais capazes! O sacrifício de vocês não será em vão. –tudo era dito de maneira metódica e lenta– Agora entrem.
Era a última vez que Luca e os outros veriam a luz do sol. Luca fechou os olhos um instante e tentou absorver os cheiros, os sons e o calor que Apolo oferecia. Apolo, por favor, nos ajude! Era provável que o deus não pudesse ajudar, pois os sacrifícios eram feitos por ordem de Atena. Atena, por favor... Deixe-nos sair.
Mas então sua prece foi interrompida quando mãos fortes o arrastavam para os portões que levavam para o subsolo. Ele não se debateu, apenas começou a andar junto aos outros. Na porta, outro homem do rei lhes entregava uma bolsa de pano e uma tocha acesa.


A bolsa de pano não parecia tão pesada de longe. Luca a segurou com o braço esquerdo e a tocha com a mão direita. Logo nos primeiros metros que avançou pela escuridão, Luca sentiu a temperatura baixar rapidamente. Ele olhou para trás a tempo de ver os últimos dois rapazes entrarem e as portas serem fechadas rapidamente.
Silêncio. Escuridão. Medo.
– E agora? –disse uma das moças.
– Vamos todos morrer. –respondeu um rapaz ao lado de Luca.
– Deveríamos economizar as tochas. Logo essas vão apagar e ficaremos no escuro total. –disse outro.
Todos concordaram com a proposta. Ninguém pretendia morrer antes que as tochas apagassem. Aos poucos todos foram apagando o fogo, até que sobrasse uma única fonte de luz.
O grupo começou a andar em silêncio, juntos e sem rumo.
– Dizem que há uma saída no centro do labirinto. –disse um rapaz.
– Mas não é lá que o Minotauro fica? –disse Luca.
Mesmo na escuridão quase total, ele viu todos se virando para o encarar. Usar o nome da criatura fez com que a temperatura caísse ainda mais e todos ficassem ainda mais assombrados. Todos nós sabemos o que tem aqui dentro! Mas antes que ele pudesse se explicar, o rapaz que carregava a tocha se aproximou e o empurrou com força.
– Da próxima vez que disser o nome da criatura, você poderá fazer seu caminho sozinho, pois nenhum de nós o acompanhará.
Ninguém discordou. Era como se o assunto já tivesse sido discutido antes e todos concordassem plenamente com o que o rapaz dizia. O nome dele era Heitor. Tinha braços fortes, cabelos louros e ondulados e guiava o grupo para dentro do labirinto.
Fizeram a primeira parada horas depois. Os pés de Luca doíam e os olhos já estavam um pouco mais acostumados à escuridão. Os quatorze jovens se sentaram no chão e começaram a revirar suas respectivas bolsas. Luca encontrou carne seca, um grande cantil de água e algumas frutas. Devemos morrer pelas mãos do Minotauro, não de fome.
Ainda assim, Luca percebeu que era pouca água que levava consigo. Percebeu que havia diferença entre os conteúdos das bolsas de cada um dos jovens atenienses. Alguns tinham mais água, outros mais frutas e outros mais carne seca.
– Vamos fazer um racionamento de comida, meus irmãos. –disse Heitor– Consumiremos primeiro as frutas, que estragam rapidamente e não dão tanta sede. Depois a carne e água.
Aquela era uma medida inteligente. A segunda parada aconteceu quando Luca estava começando a sentir sono e estava morrendo de fome. Heitor ordenou que era um momento para descanso e todos se acomodaram no chão gelado e cheio de sujeira, penas de vários tipos de pássaros e ossinhos pertencentes a pequenos roedores.
– Para onde vamos, Heitor? –perguntou uma das meninas, de nome Lara.
– Agora que estamos longe dos ouvidos dos homens do rei, posso lhes contar a verdade: conheci um homem que sobreviveu ao labirinto, enganou a criatura e conseguiu fugir. Ele me contou como fazer isso e vou tirar todos daqui. Nossa única missão é fazer com que a água e a comida durem até lá.
– E como será essa fuga? –disse Lara.
– O labirinto tem uma pequena parte onde a luz do sol pode passar. E lá que a criatura passa a maior parte do tempo. Dizem que ele gosta de dormir durante as manhãs enquanto o sol o aquece, mas sai para o labirinto de noite, pois sente fome.
A história surtiu um efeito estranho sobre o grupo. Ainda que fosse supostamente noite e todos dormissem, o fato de haver esperança os tranquilizou. Quando voltaram a acordar, continuavam sem saber se era dia ou era noite. Heitor fez com que todos se levantassem e acendeu uma nova tocha. Perceberam que um dos rapazes tinha sumido. O grupo o chamou, mas não houve resposta.
A rotina se repetiu, ainda que todos se sentissem ainda mais cansados e famintos a cada passo. As pausas pareciam se tornar mais frequentes e as pessoas mais caladas. Como Heitor se orienta aqui dentro? Como não vemos a luz do sol nessa escuridão?
Depois do que Luca julgava serem três dias de caminhada, a água estava prestes a acabar. Durante a primeira pausa do dia, Heitor estava dividindo a comida sob a luz da única tocha quando de repente parou.
– Alguém roubou um pedaço de carne –no mesmo instante os jovens atenienses olharam uns para os outros– A partir de agora eu vou tomar conta da comida. –disse Heitor, e ninguém discordou.
Naquela mesma noite Luca acordou com o som de vozes exaltadas.
– Eu vi!! –disse Heitor– Você pegou, está na sua mão! Ladrão!
Um dos rapazes segurava um pedaço enorme de carne na mão, olhava com olhos esbugalhados e rosto mais pálido que o normal.
– Não fui eu! Eu não peguei isso!
Decidiu-se rapidamente que o ladrão deveria ser afastado do bando. O rapaz se foi com o resto de uma das tochas já utilizadas que não deveria durar mais que algumas horas. Sem água e sem comida, ele logo morreria.
No dia seguinte um mau agouro: o grupo encontrou o esqueleto de uma pessoa. Aparentemente o Monotauro não matou aquele ser humano, pois os ossos estavam todos lá, intactos. Morreu de fome.
Luca sentia mais sono e dormia todas as vezes que podia. Em certo momento, acordaram e deram por falta de uma das moças. Ela tinha sumido enquanto todos dormiam e ninguém a vira. Heitor os convenceu de que era melhor continuarem a caminhada, já que a moça não respondeu aos chamados.
As tochas estavam no fim. Talvez eles queiram nos matar de fome, afinal. Não tinha muito sentido, mas era o destino a qual se encaminhavam. Heitor foi questionado mais de uma vez naquele dia sobre quando chegariam à tal passagem para o lado de fora. “Se fosse fácil, todos escapariam”, ele respondeu.
Mais uma pessoa sumiu durante uma parada para descanso. Estavam todos tão cansados que não se levantaram para procurar o rapaz. As bocas estavam tão secas que Heitor se limitou a um único chamado. Continuaram andando.
Só restou mais uma tocha. Todos concordaram em guardá-la para um momento de necessidade. Estavam no escuro total. Deram as mãos uns para os outros e seguiram a caminhada enquanto tateavam as paredes do labirinto.
– Vamos morrer de um jeito ou de outro. –disse uma das moças em algum momento. Ninguém discordou.
Andaram, pararam, voltavam a dar as mãos e depois andavam mais um pouco. A moça chamada Lara era a única que falava às vezes sobre coisas relacionadas à vida fora daquele inferno. Pela falta de respostas, ela logo também parou de falar.
Em certo momento, Luca tropeçou em algo que provavelmente era o corpo de uma pessoa. Ainda havia carne no corpo, mas não havia cheiro. Luca era o primeiro da fila e pediu que parassem de andar para que pudesse descobrir quem era. Abaixou-se e começou a tatear a pessoa.
– Acho que é um dos nossos aqui. –disse Luca desesperado– Precisamos de luz pra saber quem é!
– Não vamos gastar a tocha com isso –disse Heitor, mas dessa vez ele não teve apoio de ninguém.
A luz do fogo quase os cegou. Luca sentiu os olhos lacrimejarem antes de focar no corpo que estava no chão. Para sua surpresa, era a moça chamada Lara. Ela estava falando há poucas horas! O pescoço tinha uma mancha roxa parecida com mãos.
– Não foi o Minotauro que matou ela. –murmurou Luca.
– Realmente. –disse Heitor.
Com a luz do fogo, Luca olhou ao redor. Para sua surpresa, estava sozinho com Heitor. Foi ele! Ele matou a moça! Ele matou todos enquanto dormiam! Antes que pudesse se colocar de pé, Heitor se atirou e prendeu o pescoço de Luca com o braço. Sem forças para se debater, ele sentiu o ar começando a faltar em seus pulmões. Heitor, por outro lado, parecia forte como um touro. Além disso, ele está roubando comida há dias!
– Se somos todos sacrifícios, os deuses devem agradecer a quem fizer o serviço primeiro. Eu fiz uma promessa a eles e recebi uma resposta! Eles vão me salvar quando a criatura vier. Eles vão...

Luca não conseguiu ouvir o final da frase. 

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