sexta-feira, 25 de abril de 2014

Analisando um quadro no metrô

Estou me tornando adulta.
Não sei dizer que é algo bom ou ruim. Não é uma questão de responsabilidade, gestão de tempo, estudos, trabalho... Não... É algo mais interno: estou ficando chata.
Com meu ascendente em leão, continuo sendo a mesma pessoa com os outros. Gosto de fazer as pessoas rirem e já teria uma boa quantia no banco se ganhasse uma moeda por cada "Ai Gabriela... Você é engraçada" que eu já ouvi.
Mas algo dentro de mim aceitou de vez que sou só mais uma pessoa dentro do metrô lotado. Nada me difere deles. Não existe um destino especial nem para mim e nem para eles.
O cansaço se tornou uma característica, não um estado. Acordo cedo todos os dias -incluindo finais de semana- porque o corpo acostumou a dormir e acordar com as galinhas.
Não sei mais discutir. Algo que sempre amei hoje em dia cansa até meu último fio de cabelo. Tenho argumentos, mas a preguiça de articulá-los é maior.

Quando eu era mais nova -uns 14 anos- andava na rua com uma pose. Queixo levantado, olhos ligados, passos decididos e ombros para trás. Pensava que talvez um olheiro da CIA pudesse me ver e me admitir para algum tipo de serviço especial. Uma espiã? Uma diplomata? Uma espiã diplomata?
É sério. Sempre andava assim. Queria que alguém visse e pensasse que eu era a jovem mais qualificada para o tal serviço que nem eu sei o que seria.
Depois abandonei a ideia do serviço secreto... Comecei a pensar menor. Talvez um olheiro me chamasse para uma experiência científica. Cai um pouco mais... Talvez se eu mantivesse os olhos bem abertos, conseguiria ter uma ideia inovadora... Cai mais... E se eu conseguir ser testemunha de alguma coisa importante?

Hoje em dia, durmo de pé no metrô, abraçada com o ferro, mochila jogada no chão, cabeça baixa e baba escorrendo pela boca. O cabelo preso e curto, a roupa amassada e desbotada, os olhos sonolentos e os ombros caídos. No fone tocava Up in The Air. A música foi escolhida porque eu a considero estimulante (eu estava dormindo antes. Lembram-se?) Foi assim que me vi há algumas horas.

É sexta-feira e estou falando a verdade em cada linha narrada. Sim, eu me lembro dos detalhes que escrevi.

Olhei para a mulher do lado e ela estava se olhando no reflexo do vidro. Estava "rosnando" para ver os dentes. Os elásticos eram rosa. Acho que tinha acabado que colocar aparelho e ainda não estava acostumada a ideia de ter um monte de ferro dentro da boca.
Olhei para os três bancos à minha frente, eram três homens (existiu o cavalheirismo em algum instante?). Um deles era um senhor negro com um par de sapato verde oliva. Me lembrou do livro que estava na mochila (que estava no chão) - As Duas Guerras de Vlado Hezorg - lá os militares usam fardas daquela cor. O que leva alguém a comprar um tênis dessa cor? Não combina com nada.  Estava de cabeça baixa e abraçado a uma mochila, visivelmente cansado, mas eu arriscaria dizer que ele não estava voltando do trabalho - pelo menos não um comum, num escritório qualquer.
O outro homem (mais próximo à mulher de aparelho) era moreno, jovem e magricela. Usava uma camiseta desbotada e o olhar estava perdido na janela (rimou). Cansado como todos os outros, afundado em pensamentos. Usava sapatos sociais. Esse parecia vir de um escritório qualquer (ou de uma entrevista de emprego. Talvez os olhos cansados e perdidos significassem preocupação).
O homem mais próximo à janela (ao lado do jovem preocupado) estava fechado em um casulo físico e mental. Não olhava nada, não se movia, não se deixava ser observado. Era um homem com ombros curvados e braços cruzados. Usava calça escura e segurava algo no chão, entre as pernas - uma sacola talvez. Ele perecia dormir de olhos abertos.
Havia também um rapaz na minha frente. Esse analisei melhor porque não precisava virar o pescoço para espiar. Era mais alto que eu (1,70 de altura), moreno, cabelo curto, rosto liso, magro. Usava um moletom preto e um jeans velho (os mais confortáveis são os velhos) e um tênis preto e ligeiramente rasgado. O fone de ouvido era branco, assim como o celular Nokia. Ele conversava com alguém intitulado "Irmão" no WhatsApp. Isso nao significa que o contato fosse -de fato- irmão do rapaz. O plano de fundo do aplicativo era ele mesmo de boné em uma foto branca e preta.
O "Irmão" tinha um português ruim. Escrevia coisas do gênero "que vc acha?".
O plano de fundo do Nokia branco era a foto duma menina morena com cabelos loiros e lisos (uso visível de chapinha). A namorada. A mão do cara não tinha aliança. Não conseguia ver a mão dela na foto de ponta cabeça.
Então ele deu uma pequena risada ao ler algo que o Irmão havia enviado.
O metrô sacudiu e eu pisei na ponta do tênis verde oliva do senhor a minha frente. Me desculpei, ele não se deu ao trabalho de erguer os olhos.

Foi então que analisando esse quadro, me lembrei da ingenuidade de andar na rua esperando que alguém me julgasse ser "a escolhida". Porém a análise me lembrou de algo que há anos brinco dizer: sou Sherlock Holmes.
Sei que não sou. Sei que analisar é muito mais do que eu estava fazendo. E estava olhando as pessoas e nada mais. Isso nos remete ao fato de que a ficção e a realidade são pontas opostas de uma mesma linha. Sei que não tem um agente da CIA para me observar enquanto eu os observava.

Ser adulto: descobrir que você pode dar vários nós na linha, mas as pontas continuam sendo extremos. Seus planos são só planos. Seus sonhos são só sonhos. Você é só você.

Meu celular recebeu uma notificação e soltou o bip da Kim Possible.
Eu ainda posso lutar um pouco por minha juventude.

Hoje fizemos progresso.